Familiares conquistam apoio de representantes do governo federal à luta por reparação e Justiça e pedem ajuda ao primeiro-ministro da Alemanha

Em ofício, AVABRUM pede apoio ao primeiro-ministro para dialogar com a Tüv Süd, que é a empresa de certificação alemã responsável pela emissão de atestados de estabilidade “fraudulentos” da barragem de rejeitos da Vale, que se rompeu em Brumadinho (MG)

A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) obteve, em audiência em Brasília na última segunda-feira (30/01), apoio de representantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à luta por reparação e Justiça pela tragédia de Brumadinho (MG). A AVABRUM também protocolou, na Embaixada da Alemanha, um ofício ao primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, pedindo a colaboração do chanceler no diálogo com a Tüv Süd, empresa de certificação que emitiu atestado de estabilidade “fraudulento” da barragem de mineração da Vale, em Brumadinho (MG).

A barragem rompeu-se em 25 de janeiro de 2019, resultando em 272 vítimas fatais, além de um rastro de destruição socioambiental em Brumadinho e região. No ofício ao primeiro-ministro da Alemanha, que veio ao Brasil para uma agenda oficial com o presidente Lula, a AVABRUM solicita que seja designado um representante do governo alemão para ajudar no diálogo entre a Tüv Süd, cuja sede é em Munique, e sindicatos que representam familiares e atingidos pela tragédia.

Representando a AVABRUM, Tânia Oliveira, Alexandra Andrade e Maria Regina da Silva, acompanhadas de Eder Melo (Advocacia Garcez), expõem cartazes de protesto e de solidariedade às vítimas das tragédias de Brumadinho e Mariana em frente à Embaixada da Alemanha. (Foto: Carolina Santos)

Apoio de representantes do governo federal

Na audiência entre representantes da AVABRUM e do governo federal, o chefe da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, declarou, em nome dele e do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, “integral” solidariedade à luta de familiares de vítimas e atingidos por reparação e Justiça.

Segundo a AVABRUM, Miranda assumiu o compromisso de contribuir com iniciativas para as causas da associação a partir de ações do Ministério dos Direitos Humanos. “É fundamental que a Justiça seja feita para que um crime como este não se repita. Vou transmitir ao ministro [Silvio Almeida] tudo o que foi conversado aqui. Nossa solidariedade será integral”, disse Miranda, conforme relato da presidente da associação, Alexandra Andrade, que participou do encontro.

Tânia Oliveira, Maria Regina da Silva e Alexandra Andrade em audiência com Nilmário Miranda. (Foto: Carolina Santos)

Joias não encontradas

Alexandra estava acompanhada de Eder Melo, da Advocacia Garcez responsável pela assessoria jurídica de um grupo de familiares de vítimas e de sobreviventes da tragédia, da diretora da AVABRUM Maria Regina da Silva e de Tânia Efigênia de Oliveira Queiroz, prima de Nathalia de Oliveira Porto Araújo, uma das três vítimas da tragédia cujo corpo ainda não foi encontrado. Ainda falta a localização dos corpos de Maria de Lurdes da Costa Bueno e de Tiago Tadeu Mendes da Silva.

As representantes da AVABRUM também estiveram com o Secretário Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social, André Quintão. Segundo Alexandra, Quintão, que foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre a tragédia, reafirmou que a CPI comprovou que o rompimento da barragem poderia ter sido evitado e as empresas Vale e Tüv Süd tinham conhecimento dos riscos de ruptura.

A CPI aprovou indiciamentos dos responsáveis pela tragédia. “Agora nós queremos justiça, agilidade no processo, seja aqui no Brasil ou em cortes internacionais. É muito importante que não impere a impunidade. A impunidade gera repetição de tragédias criminosas. E, nesse caso, principalmente em respeito às 272 joias perdidas, vidas humanas irreparáveis, cabe à sociedade brasileira e mineira chegar e colocar um ponto final nesse lamentável episódio”, declarou Quintão, conforme relato de Alexandra. Segundo a presidente da AVABRUM, Quintão também se colocou à disposição para apoiar a luta por justiça, oferecendo a estrutura do Ministério do Desenvolvimento Social naquilo que for possível.

Na tentativa de ressignificar a dor da perda de 272 vidas, a AVABRUM idealizou o Legado de Brumadinho*, um projeto lançado em 2022 com o propósito de construir oportunidades de desenvolvimento da região e, principalmente, defender a segurança no trabalho, fundamental para evitar tragédias como a de Brumadinho. 

Ação internacional

O ofício encaminhado ao primeiro-ministro da Alemanha refere-se à necessidade de um diálogo com a empresa alemã em razão da ação internacional de reparação e responsabilização Tüv Süd que tramita no Tribunal Regional de Munique pelos danos extrapatrimoniais sofridos por trabalhadores sobreviventes e familiares de vítimas da tragédia.

Na carta, a AVABRUM informa que a certificadora da barragem tem se recusado a dialogar com os sindicatos que apoiam a causa da entidade, dentre eles o Sindicato Industrial de Mineração, Química e Energia (IGBCE), da Alemanha.

Certificação fraudulenta

“Nós, familiares das vítimas e atingidos da maior tragédia-crime industrial do Brasil, exigimos que a Tüv Süd nos trate com respeito. Tüv Süd, através da sua certificação fraudulenta da barragem desmoronada no Brasil, é parcialmente responsável pelas nossas perdas e pela morte de 272 pessoas, a maioria das quais mineira”, diz um dos trechos do ofício.

No documento, a associação também pede ao chanceler para que interceda junto à Tüv Süd para que a empresa alemã não adote “manobras legais desnecessárias” e que opte por enfrentar “a má conduta” dos funcionários da certificadora que seriam responsáveis pela emissão dos atestados de estabilidade. A AVABRUM também protocolou, na Embaixada, um ofício com o mesmo teor endereçado ao embaixador da Alemanha.

Entenda o caso

O processo judicial no Tribunal Regional de Munique tem caráter indenizatório em favor de 183 familiares de vítimas que foi impetrado pelo escritório brasileiro Advocacia Garcez, em parceria com os advogados alemães Ruediger Helm, Ulrich Von Jeinsen e Lindner Rechtsanwälte. A ação conta com o apoio do Sindicato Metabase Brumadinho.

Em 19 de setembro do ano passado, houve a primeira audiência da ação judicial em Munique com as presenças da presidente da AVABRUM e de Maria Regina. À ocasião, elas fizeram um apelo por Justiça, cobrando que a empresa fosse responsabilizada pela emissão das declarações de estabilidade da barragem.     

Após os depoimentos das integrantes da diretoria da AVABRUM, o advogado-chefe da Tüv Süd, Florian Stork, chegou, inclusive, a manifestar arrependimento pelo que ocorreu em Brumadinho, embora não tenha reconhecido responsabilidades da empresa em relação ao rompimento.   

Em nota à imprensa na semana passada, a Advocacia Garcez informou que, durante audiência judicial, a Tüv Süd, com o intuito de se eximir de responsabilidade, “mentiu ao alegar que sua expertise não consiste em segurança de barragens e que não se trata de área de atuação da empresa, mas tão somente a emissão de laudos de segurança e saúde ocupacional.” 

Diante da postura da Tüv Süd, os advogados alemães e a Advocacia Garcez apresentaram, em 22 de dezembro de 2022, “uma denúncia por mentira processual frente à Promotoria Criminal de Munique”, diz a nota à imprensa. No dia 27 de fevereiro, haverá outra audiência da ação internacional. Na Alemanha, também tramita outro processo judicial contra a Tüv Süd por causa da tragédia de Brumadinho, além de uma investigação criminal na Promotoria de Munique por iniciativa de cinco familiares de vítimas e as Organizações European Center for Constitucional and Human Rights (ECCHR) e Misereor.

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