Brumadinho: familiares de vítimas fazem apelo por justiça em seminário sobre desafios após 4 anos do rompimento da barragem

Encontro atraiu na noite do dia 1º de dezembro uma plateia de estudantes de direito, moradores e familiares de vítimas. Na mesa, palestrantes também lembraram dos impactos da pior tragédia trabalhista do país e afirmaram que a dor das vítimas é uma ferramenta de transformação da história

Os aprendizados e os desafios que a tragédia de Brumadinho (MG) deixou para a população da cidade, para as vítimas, seus familiares e todo o planeta foram tema do Seminário Brumadinho: visões da cidade quatro anos depois do rompimento da barragem da Vale. Realizado na noite da última quinta-feira (1) no auditório da Faculdade Asa de Brumadinho, o encontro reuniu na mesa de debate procuradores e representantes das vítimas, da prefeitura da cidade, de professores de direito e de ambientalistas.

Veja aqui a íntegra do Seminário

Promovido pelo Projeto Legado de Brumadinho*, o debate contou com a participação de um auditório lotado de estudantes de diversas áreas, mas principalmente de direito. As falas dos convidados levaram o público a refletir sobre as consequências do rompimento sob ponto de vista social, ambiental e econômico, os aprendizados de reconstrução, os caminhos em busca de justiça para honrar as 272 vítimas fatais e os desafios de se reerguer uma cidade devastada por um tsunami de rejeitos de minério de ferro.

Confira os melhores momentos do Seminário.

“A dor de vocês é uma ferramenta de transformação da história. O que fizeram em Brumadinho e o que vocês estão fazendo agora para manter a memória desta tragédia, de uma perspectiva da história da civilização, é um símbolo e um recado para o mundo”, afirmou o convidado Sérgio Besserman, professor, economista, ambientalista, membro do Conselho Diretor da WWF e coordenador estratégico no The Climate Reality Project (projeto mundial dirigido por Al Gore, empresário e vice-presidente dos Estados Unidos de 1993 a 2001 durante a presidência de Bill Clinton).

O rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, da Vale, completa 4 anos em 25 de janeiro de 2023. Considerada a maior tragédia trabalhista do país, ela deixou 272 vítimas fatais, entre elas dois nascituros, e danos incalculáveis ao meio ambiente, além de sequelas traumáticas para a saúde da população da cidade e familiares de vítimas. Até hoje, quatro vítimas levadas pela lama ainda não foram localizadas e os responsáveis apontados por investigações do Ministério Público e da Polícia ainda não foram a julgamento.

“Brumadinho nunca mais será a mesma, principalmente pelos inúmeros problemas que a Vale causou e segue causando no município. Nós fazemos da nossa dor a nossa luta. Esperamos que a punição aos responsáveis aconteça e que Brumadinho seja exemplo de justiça”, afirmou Alexandra Andrade, presidente da AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão).

A ação penal que arrola 16 réus por crime de homicídio e as empresas Vale e Tüv Süd (que atestou a segurança da barragem) por crimes ambientais está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é que ainda este mês haja uma decisão sobre a esfera de julgamento da ação: Justiça Federal ou Estadual. “Precisamos lutar para manter o processo dentro da Justiça Estadual de Minas Gerais. Começar do zero será algo doloroso e inimaginável para nós”, completou Alexandra.

Alexandra Andrade, Presidente da AVABRUM, realizando sua fala durante o seminário. (Foto: Washigton Alves)

Representante da prefeitura, Wagner Donato, secretário adjunto de Meio Ambiente, afirmou que o rompimento da Barragem da Vale trouxe e ainda traz problemas diários para Brumadinho, em diversas áreas. Ele mencionou que as demandas de políticas públicas aumentaram e a cidade ficou impactada no seu funcionamento cotidiano, precisando passar por reestruturação. “Tivemos problemas gravíssimos de abastecimento de água, esgotamento sanitário e mobilidade”, lembrou, afirmando que espera avanços econômicos com o plano de reparação.

Para o advogado e professor mestre de Direito Penal da Faculdade Asa de Brumadinho, Jorge Patrício, os desafios para que tragédias como a de Brumadinho não se repitam passam por uma mudança cultural que de fato envolva a sociedade no seu cotidiano. “É preciso ter uma nova cultura de segurança. Mas como seremos diferentes de antes (da tragédia)?”, questionou para a reflexão da plateia.

As considerações do procurador Geraldo Emediato, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Minas, foram no mesmo sentido. Ao fazer um breve retrospecto da história econômica de Minas Gerais, ele alertou para os impactos sociais da atividade mineradora e disse que o Estado deve ser cobrado a assumir ações de prevenção efetivas e a sociedade precisa estar mais vigilante sobre o cumprimento das regras. “Temos de extrair da tragédia de Brumadinho algo de prático. O que nós [como sociedade] fazemos para impedir essa realidade? No caso de Brumadinho, o Estado [que representa a sociedade] negligenciou todas as licenças. Uma empresa vendeu o laudo de estabilidade da barragem, o Estado aceitou e deu as licenças. A empresa estava autorizada a funcionar pelo Estado”, disse ao lamentar as falhas do Estado e chamando a atenção sobre tragédias que se repetem.

Também procuradora do MPT, Luciana Marques Coutinho afirmou que evitar tragédias como as de Brumadinho é um desafio do país. “Temos de estar vigilantes, relembrar as vítimas, homenageá-las, mas lembrar as raízes desta tragédia, as causas, para que não ocorra mais”, disse. A procuradora ainda falou das causas tragédia. “Se a gente for olhar a negligência que houve por parte desta empresa, foi uma negligência ambiental e social, mas sobretudo foi uma negligência com aqueles trabalhadores e trabalhadoras. Direitos sociais mínimos não foram respeitados”, ressaltou ao enumerar que a sede administrativa e refeitório estavam em locais inadequados, a sirene não tocou e o valor da vida não foi colocado em primeiro lugar.

A presidente da AVABRUM compartilhou sua fala com representantes e associados da entidade. O desafio de conseguir responsabilizar os culpados pela tragédia foi a tônica. Edi Tavares, que é da diretoria da AVABRUM, mencionou que há uma enorme confiança e esperança na atuação dos futuros advogados ali presentes, além de uma crença na justiça. “Sabemos que tudo é difícil, mas nós confiamos e lutaremos. Nós confiamos em quem está aqui. Nós confiamos na Justiça”, disse.

Flávia Coelho, que perdeu o pai na tragédia, também ressaltou a importância dos futuros advogados na luta dos familiares por justiça. “Hoje vocês [futuros advogados] já são o nosso presente para que a justiça seja feita. E ela vai ser feita, e Brumadinho vai ser exemplo para o mundo. É um direito nosso, do Brasil e do mundo inteiro”, afirmou.

Também diretora da AVABRUM, Maria Regina da Silva disse que é preciso cobrar a Justiça diariamente. “Vocês [os estudantes de direito presentes] estão se formando para buscar justiça. Olhem para o que aconteceu aqui em Brumadinho e vão buscar justiça. Lutem. Façam diferente. Tudo que precisar fazer para ir atrás da justiça, eu vou. Nós, da AVABRUM, vamos. Nós precisamos ir”, finalizou.

Os participantes do seminário compondo a mesa e o público ao fundo observando as falas. (Foto: Washigton Alves)

Veja aqui mais fotos do Seminário Brumadinho: visões da cidade quatro anos depois do rompimento da barragem da Vale.

*Projeto realizado com recursos destinados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo pago a título de indenização social pelo rompimento da Barragem em Brumadinho em 25/01/2019, que ceifou 272 vidas.

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