Brumadinho: 5 anos sem justiça

Responsabilidade das empresas e lentidão nas punições

Bruno, 26, adorava música, leitura e jogar futebol com os amigos. Seu sonho profissional, como engenheiro de produção nascido nas Minas Gerais, era crescer nessa área. Fez estágio na Vale e, encerrado o período de aprendizagem, foi contratado. Não sabia que seu sonho custaria a própria vida. Ele é uma das 272 vítimas que tiveram a vida brutalmente interrompida com o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. (Andresa Rodrigues é a mãe do Bruno, seu único filho).

No dia 25 de janeiro completam-se cinco anos que duas grandes corporações – a Vale e a Tüv Süd – foram protagonistas do que aconteceu em Brumadinho. Das 272 vidas humanas perdidas, 250 foram aniquiladas no seu local de trabalho, e três ainda permanecem não encontradas, enterradas na lama.

Outra grave consequência do rompimento da barragem, uma espécie de “lixão de minério” construída no modelo mais inseguro e barato, foi o despejo de um volume de lama que devastou furiosamente o meio ambiente.

As duas empresas ostentam compromisso com a responsabilidade social e ambiental. A Vale alardeia uma publicidade agressiva no que chama de “reparação”, duvidoso enunciado que não dá conta das profundas consequências do que aconteceu em Brumadinho e esconde as investigações da Polícia Federal e as conclusões de duas Comissões Parlamentares de Inquérito: foi crime.

Para nós, familiares das vítimas e atingidos, é uma narrativa que subestima o valor da vida, essa, sim, irreparável. Até hoje, em termos de segurança do trabalho, proteção às comunidades próximas da mina e cuidado com o meio ambiente, não foi feito o suficiente. Não foi feito o bastante nem o mínimo para que não acontecesse.

É esta (ir)responsabilidade que precisa ser encarada junto de toda a sociedade. Esconder-se no subterfúgio da publicidade, ou nos relatórios que não contam tudo, dirigidos a investidores e reguladores, tem nome e se chama “hipocrisia social”.

A outra página dessa história de cinco anos é a injustiça. O processo criminal no Brasil ainda está na fase de citação dos 16 réus, executivos da Vale e da Tüv Süd acusados de homicídio doloso qualificado e crimes ambientais. Essa citação já havia sido feita na Justiça estadual, mas foi preciso refazê-la após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que o processo fosse conduzido na esfera federal. Tal retrocesso nos congela no tempo do luto e da dor e tenta nos paralisar na lama de sangue.

Nos labirintos do Judiciário, conhecemos, de perto, a engrenagem que protege os poderosos, beneficiados por recursos de toda a sorte, cuja única finalidade é deixar tudo no esquecimento.

E ainda são longos os trâmites processuais. Por exemplo: os 16 acusados receberam da Justiça um prazo de cem dias para apresentar as suas defesas, prazo dez vezes maior do que aquele previsto no Código de Processo Penal. Mas quase todos os réus já haviam sido citados pela Justiça estadual.

Já o réu Fábio Schvartsman, presidente da Vale à época, pode ser inocentado de todas as acusações caso o Tribunal Regional Federal em Minas Gerais julgue favoravelmente um habeas corpus que pede o trancamento da ação contra ele.

A menção à figura do diretor-presidente não carrega nada de pessoal. Considerando todo o histórico de descaso e de gerenciamento incompetente em relação às vidas dos trabalhadores e da comunidade, a responsabilização criminal tem sentido de lições pedagógicas. Executivos e dirigentes precisam priorizar a vida na tomada de decisões. A deles, confortavelmente instalados em gabinetes, talvez não esteja em risco. É preciso se comprometer com a vida do outro. Sem esse zelo, devem ser punidos e responsabilizados. Participações nos lucros, bônus e dividendos, para si e para investidores, jamais podem carregar vestígios de sangue.

Os 16 réus não perderam nenhum filho ou ente querido com o rompimento na mina Córrego do Feijão. O engenheiro Bruno, citado no início deste artigo, era o meu único filho. Amoroso e muito amado. Por ele e por todas as 272 vidas, lutaremos contra o perigo de esquecer.

Andresa Rodrigues
Presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão – Brumadinho

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