4 anos de Brumadinho ‘O desastre continua produzindo vítimas’

Seminário reuniu autoridades, familiares de vítimas e moradores da cidade para debater os impactos do rompimento das barragens de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, que persistem até os dias atuais. Tragédia-crime em Brumadinho fez 4 anos em janeiro, ceifando 272 vidas. Três vítimas continuam desaparecidas

Quatro anos após o rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão da Vale, em Brumadinho (MG), familiares das vítimas promoveram um seminário para discutir os impactos que a tragédia-crime ainda provoca na cidade e demais municípios mineradores. Na tragédia, que aconteceu em 25 de janeiro de 2019, morreram 272 pessoas e três vítimas ainda não foram encontradas: Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathália de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva.

Mesa de debate. Ao centro, Andresa Rodrigues, vice-presidente da AVABRUM: “Sem responsabilização penal não há alento” | Fotos: José Carlos Almeida (Justiça nos Trilhos)


“Foram 250 trabalhadores mortos em menos de um minuto. Nós tivemos também morte de pessoas em suas residências e de turistas. Então, a nossa luta é para que ninguém passe mais por isso”, afirmou Alexandra Andrade, presidente da AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão), entidade que organizou o seminário. “Se todos tivessem aprendido com Mariana, Brumadinho não teria rompido”, destacou. Em 2015, o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, deixou 20 mortos, incluindo um nascituro, e uma das vítimas ainda não foi encontrada.

Alexandra Andrade, presidente da AVABRUM, fala na mesa do seminário: “Foram 250 trabalhadores mortos em menos de um minuto”

No debate, os participantes concordaram que tragédias como as de Brumadinho e Mariana causam danos contínuos às vítimas e seus familiares, além de comunidades e o meio ambiente. As falhas das ações de reparação e de fiscalização de barragens foram abordadas. Foi unânime a opinião de que, sem a responsabilização penal dos culpados, os municípios mineradores correm mais riscos de testemunhar novas tragédias.
“Sem responsabilização criminal não há alento. A vida não tem preço. Quando vemos o acordo de 37 bilhões de reais, vemos o dinheiro do nosso sangue e das nossas lágrimas”, afirmou Andresa Rocha Rodrigues, vice-presidente da AVABRUM.
O seminário foi realizado em 24 de janeiro, véspera do dia que o rompimento em Brumadinho completou 4 anos e mesma data em que a Justiça Federal acatou a denúncia contra 16 pessoas pelo crime de homicídio 270 vezes e apontou as empresas Vale e Tüv Süd por crimes ambientais. A ação penal estava na Justiça mineira, onde a denúncia foi acatada em fevereiro de 2020, mas ela foi transferida para a instância federal a partir de uma manobra jurídica do advogado do ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman.


‘Chega de delongas’

“Demorou três anos para definir a instância que será processada a ação penal. Isso é um tapa na cara de toda sociedade”, afirmou Andresa.

“Agora, é importante trabalharmos juntos para que a Justiça Federal assuma responsabilidade no processo, sem delongas, e dedique recursos humanos e financeiros para agilizar o julgamento. Todos devem ficar atentos às manobras que as defesas podem fazer”, disse Danilo Chammas, advogado do Observatório Penal de Brumadinho, diretor presidente do Instituto Cordilheira e assessor jurídico da Renser (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário).

Advogado Danilo Chammas: “Todos devem ficar atentos às manobras da defesa”


A promotora Ana Teresa Giacomini, que atuou entre 2019 e 2021 na 1ª Promotoria de Justiça de Brumadinho, lembrou que a escuta das famílias foi e ainda é fundamental para todas as atividades que demandam o processo. “A palavra que mais se escuta nas filas do atendimento da promotoria é ‘justiça’. Nada trará de volta as joias [como as vítimas são carinhosamente chamadas], mas hoje eu desejo que a reparação possível seja alcançada no menor tempo possível e que, durante esse percurso, seja dado um tratamento digno a todos vocês, e que a responsabilização aconteça, e que não se repita jamais”.

‘As pessoas continuam sofrendo’

Rodrigo Nogueira: “A reparação material não cobre os danos imateriais”

Para especialistas em saúde, chama atenção os impactos crescentes na saúde mental da população de Brumadinho e entre os familiares das vítimas. “Vivenciamos diversas perdas, afetando vínculos sociais, afetivos e culturais. Passados 4 anos das emergências, pseudoindenizações, obras e tentativas de reparação, constatamos que o ser humano não consegue viver ‘em estado de guerra’. As pessoas continuam sofrendo. A reparação material não cobre os danos imateriais. Um enfrenta problema com insônia, outro toma remédio, o outro cai no álcool. O desastre continua produzindo vítimas, conflitos familiares, violência e por aí vai”, afirmou o psicólogo e referência técnica da Equipe de Saúde Mental de Brumadinho, Rodrigo Chaves Nogueira.
Em Mariana, os impactos do rompimento da barragem do Fundão, da Samarco, em 5 de novembro de 2015, também se estendem até os dias atuais, segundo Marino Dangelo Junior, representante das Comunidades Rurais da cidade. “As atividades rurais que eu fazia jamais voltaram ao normal. Tive de me adaptar, infelizmente, à nova vida que fui obrigado a viver”, disse.

Medo constante da ‘lama invisível’

Cassilene Oliveira, da comunidade Macacos: “Vivemos o terrorismo da lama invisível”

Outro tipo de sofrimento, o medo constante de um novo rompimento, é vivenciado por quem mora perto de barragens. Cassilene Ribeiro Oliveira, liderança da comunidade de Macacos, em Nova Lima, disse que a sua região enfrenta o terrorismo da “lama invisível”. “Isso tira o sono de todos”, afirmou. Macacos fica próxima à barragem B3/B4 da Mina Mar Azul, da Vale, hoje no nível de emergência 2.
A ambientalista Maria Teresa Corujo, do MovSam (Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais) afirmou que muitos processos de licenciamento recebem documentos mentirosos, prática que precisa ser combatida. Em Brumadinho, segundo investigações da polícia, o laudo que atestou a estabilidade da barragem, emitido pela empresa alemã Tüv Süd, era fraudulento. “O meu pânico é que já foi feita muita alteração e alteamento em barragens e com pessoas na chamada zona de salvamento. Estão violando a Lei Mar de Lama Nunca Mais na cara dura”, disse.

Reparação sem participação de atingidos

Marcio Rodrigues, do Comitê de Lideranças: “Até agora, não houve reparação”

As ações de reparação em andamento foram criticadas pelos atingidos, que afirmam não terem sido consultados. “As instituições de Justiça, os compromitentes, sequer chamam ou chamaram um atingido ou querem saber se as decisões tomadas são representativas. Nós não somos chamados para participar. O acórdão não teve participação. Isso é errado e precisa mudar. Até agora não houve reparação”, afirmou Márcio Rodrigues, presidente do Comitê de Lideranças de Brumadinho.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira, integrante da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou a tragédia-crime, disse que é preciso atenção aos interesses de organizações na mineração no Estado e chamou a atenção para a importância de fiscalizar as ações de reparação. “O controle dos territórios, da reparação, do processo, depende de nós. Eu gostaria de destinar perguntas à algumas instituições, inclusive à que faço parte. A primeira é: garantimos a não repetição do crime? Qual o balanço que nós temos do acordo entre a Vale e o Estado? Precisamos buscar respostas”.


Obrigações concretas impostas à Vale

Representante da Seplag (Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais), Fernando Anelli, que é coordenador do Núcleo de Articulação do Comitê Pró-Brumadinho, afirmou que medidas de reparação têm sido impostas à mineradora. “É impossível reparar e recuperar as 272 vidas perdidas, mas existem medidas que podem ser executadas e por isso também têm sua relevância. É importante destacar a reparação séria e justa de impor à Vale obrigações concretas”, defendeu.
A promotora de Justiça da Comarca de Brumadinho, Ludmila Reis, destacou o empenho do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) para ver colocadas em prática ações de reparação. “Em todas as equipes, eu vejo dedicação por parte do MPMG em reparar minimamente o que ocorreu aqui. O que marca é a solidariedade e a empatia, onde se vê que todo mundo se importa”.

‘Memorial deve ser dos familiares’

Kenya Lamounier, da diretoria da AVABRUM: “População tem de se apoderar da sua história”

Para Kenya Paiva Lamounier, também da diretoria da AVABRUM, a Vale usa seu maior poder, o capital financeiro, para maquiar tudo. Ela lembrou outro impasse envolvendo a empresa: a inauguração do Memorial de Brumadinho que vai homenagear as vítimas. O Memorial deveria ser inaugurado em 25 de janeiro, mas a Vale se recusou a dar a gestão do espaço para os familiares das vítimas e a AVABRUM informou só aceitar a abertura do espaço quando esta questão estiver formalmente definida.
“O Memorial que está sendo construído precisa ser nosso, juntamente com nosso protagonismo. É importante que a população se apodere da história, não deixando que a Vale seja protagonista das coisas e conte a história da maneira que ela quer”, disse. Padre Renê Lopes, que foi pároco da Igreja São Sebastião em Brumadinho durante oito anos, também fez alusão à história, citando trechos do hino da cidade. “Como podemos cantar novamente o hino de Brumadinho, que pauta belezas naturais, sendo que nossas montanhas estão rasgadas e nosso rio morto?”.


Minério-dependência além da economia

A dependência econômica da mineração de cidades de Minas Gerais também foi abordada no seminário. O professor doutor André Luiz Freitas Dias, coordenador do Programa Polos de Cidadania da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), disse que a minério-dependência faz parte de um processo histórico.
“Precisamos analisar isso para além da condição financeira. A minério-dependência é um processo histórico de violenta e recorrente tentativa de instauração de pensamentos únicos, de gestão totalitária das condições de existência por parte das empresas mineradoras e governos, e também, por outro lado, de resistência nos territórios contra estas ações”, afirmou.

Seminário aconteceu na Faculdade ASA

O Seminário 4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores contou ainda com a presença de representantes de organizações nacionais, como Aedas (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social), e internacionais, como a alemã Misereor, além de parlamentares. Para saber mais sobre as ações da AVABRUM, entidade que idealizou o Projeto Legado de Brumadinho* e sobre o Seminário 4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores,clique aqui.


*Projeto realizado com recursos destinados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo pago a título de indenização social pelo rompimento da Barragem em Brumadinho em 25/01/2019, que ceifou 272 vidas.

Compartilhar:

Pesquisas